segunda-feira, 28 de junho de 2010

Correspondência Encantada - 1ª parte

Caixinha de Madeira
Editora Altana (2003)
Índigo

Em um tempo muito distante, quando o conceito atual de infância ainda nem engatinhava, eram contadas histórias que, mais tarde, seriam conhecidas como “contos de fadas”. Não que todas elas tivessem fadas; mas o fantástico era o elemento comum na tessitura de suas tramas. Objetos enfeitiçados, animais falantes, príncipes garbosos e princesas em apuros eram ingredientes indispensáveis de qualquer conto de fadas que se prezasse.

A audiência desses contos, assim como a das novelas de televisão, era composta por homens, mulheres, adolescentes e crianças, indistintamente. Deste público eclético, esperava-se que, além de diversão, tirasse daquelas narrativas lições de moral e conduta. Enfim, o que se esperava de um conto de fadas não era muito diferente do que esperamos hoje de uma boa telenovela moderna, que deve entreter sem, no entanto, perder de vista sua função social.

E, assim como nossos ancestrais se reuniam para acompanhar as peripécias dos arquétipos preferidos de sua imaginação também nós temos essa mania. Ou seria melhor dizer necessidade? Afinal, antes de serem registradas por escritores como os Irmãos Grimm, as histórias de fadas já eram contadas ao pé do fogo nas aldeias, castelos e mesmo em terras e tempos distantes. Há uma versão da história de Cinderela que já era contada na Antiga China. Aliás, há diversas versões dessa história. A mais recente dela vai ao ar por volta de oito da noite. Também às sete. E às seis da tarde. Parece que não conseguimos parar de contar e ouvir as mesmas histórias. Estamos sempre repetindo-as, mesmo que com pequenas variações.

Isso acontece porque narrativas como "Cinderela" são filhas diretas do imaginário coletivo. Em resumo, estão praticamente inscritas no DNA da humanidade. Só que com o passar do tempo, príncipes, princesas, bruxas e fadas deram lugar a personagens mais contemporâneos de sua audiência. Também buscaram elos com a realidade. A Gata Borralheira, por exemplo, passou a trabalhar na linha de produção de uma fábrica. Contos de fada e seus elementos fantásticos passaram a ser “coisa de criança”. Para reforçar essa condição, surgiu Walt Disney, com suas versões encantadoras, mas açucaradas, das histórias. E os adultos passaram a ver contos de fada somente como objeto de estudo da psicanálise ou da pedagogia.

Pois se alguém tem vontade de reencontrar gente como Branca de Neve, Bela Adormecida e Cinderela, em condições que não sejam essas, abra “Caixinha de Madeira”. Não se trata de uma volta à infância, pois o livro nada tem de infantil. No entanto, ao lê-lo, reencontramos personagens que são nossas velhas conhecidas, com a chance quase única de enxergar suas histórias por um viés não-disneyano e bastante original.

Gwenhyfar, uma das fadas do conto da Bela Adormecida (para ser mais específica, a autora do fabuloso contra-feitiço do sono de cem anos), decide deixar, em Veneza, após trezentos anos sob sua guarda, uma caixinha de madeira com a correspondência trocada entre as amigas de infância Branca de Neve, Bela Adormecida e Cinderela.

A fada teria selecionado as cartas mais significativas e datilografado suas melhores partes, pois ela já estava acostumada aos garranchos. O projeto gráfico do livro adere à proposta, imitando um texto datilografado com borrões de tinta. Isso ajuda a compor o clima de estarmos bisbilhotando papéis antigos e alheios.

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