domingo, 7 de setembro de 2008

Fuligem na História

Irmãos Pretos
Romance Ilustrado
Edições SM (2006)
Hannes Binder/Lisa Tetzner

Irmãos Pretos, baseado em fatos reais tirados de um artigo de jornal, conta a história de um menino que, como tantas outras crianças de pequenas cidades miseráveis de uma região que passava fome, foi vendido como mão-de-obra barata para trabalhar em condições insalubres e desumanas. Dessa vez, no entanto, o Brasil nada tem a ver com isso. O cenário de Irmãos Pretos são as montanhas da Suíça, aquele país desenvolvido, sinônimo de estabilidade e segurança, que todo país sonha em ser quando crescer.

De 1800 até quase 1920, os pobres do Cantão de Ticino cultivaram o triste hábito de vender suas crianças para trabalharem em regime de quase escravidão. Muitos deles como limpadores de chaminé, tarefa ingrata e nada saudável, que só podia ser desempenhada por meninos magros e pequenos, de vida “útil” prolongada graças à fome. O lamentável e verídico episódio, estudado por inúmeros escritores e pesquisadores, chegou ao conhecimento da autora Lisa Tetzner que, em 1941, escreveu Irmãos Pretos em parceria com o marido.

O livro veio a tornar-se um clássico da literatura juvenil na Alemanha e na Suíça, ao contar a comovente história de Giorgio, vendido pelo pai aos treze anos, para trabalhar em Milão. O menino desceu das montanhas para viver sob condições sub-humanas em um grande centro da época, como limpador de chaminés. Sua vida literalmente cinzenta só era iluminada pela amizade de Angeletta, filha de seu “mestre”, e pela amizade dos irmãos pretos, espécie de confraria de jovens limpadores de chaminé que se reunia secretamente para traçar estratégias de sobrevivência frente à exploração, descaso, provocações e desafios cotidianos.

Em 2002, o ilustrador suíço Hanner Binder recontou essa história sob a forma de um romance ilustrado, publicado pelas Edições SM. Ao mesclar as técnicas narrativas tradicionais de um romance com as de uma graphic novel, Binder obteve um resultado arrebatador. Ora o leitor se deixa levar pelas ilustrações, ora pelo texto. Como crianças, que vêem nas ilustrações a complementação da história que está sendo contada, o leitor de Irmãos Pretos tem nelas um recurso narrativo indispensável ao desenvolvimento da narrativa. O pleno significado do que seria um “romance ilustrado” está no fato de que é impossível ler o livro sem acompanhar a ambos, texto e imagens, com igual atenção e sem atribuir-lhes peso quase equivalente.

A série de gravuras de Binder, tão negras quanto a fuligem desprendidas das chaminés, consumiu cinco anos de trabalho e inúmeras pesquisas a documentos de época e visitas aos locais onde se desenrola a ação. A técnica utilizada foi o scraping, onde uma espécie de cartolina é recoberta de um material branco semelhante ao gesso. Sobre ele, aplica-se uma película negra e, em seguida, um fino trabalho de incisão vai revelando, aos poucos, a ilustração. As gravuras que compõem o livro constituem uma atração à parte, tendo sido expostas em diversos países europeus. Em 2004, o livro foi o vencedor do cobiçado Troisdorfer Bilderbuchpreis, concedido a cada dois anos com o objetivo de distinguir obras excepcionais no campo da ilustração.