domingo, 11 de julho de 2010

O Gentil Ladrão de Leitores

A Agulha Oca (Nova Fronteira, 1980)
Coleção Arsène Lupin (nº 5)
Maurice Leblanc
Tradução de Maria Cesário Alvim

Eu posso ter roubado do leitor, como o cavalheiresco ladrão que protagoniza essa série, a chance de encontrar o livro desta resenha nas prateleiras das livrarias. Digo isso porque talvez seja mais fácil achá-lo nas prateleiras dos sebos. Ou, em última instância, nas prateleiras da casa dos seus pais, tios ou avós. Mas o prazer de procurar por livros como A Agulha Oca nas estantes da cidade revela-se comparável apenas ao prazer que Arsène Lupin tinha de adquirir as joias que subtraía, com muita habilidade, dos ricos.

Está bem. As soluções, às vezes, careciam de uma maior lógica ou engenhosidade. Diante dos romances atuais, repletos de detalhes técnicos destinados a dar mais “veracidade” às tramas, as mirabolantes aventuras de Lupin nos deixam com a sensação de estarmos diante das histórias estreladas pelo mágico Mandrake. No entanto, criado em 1905 pelo francês Maurice Leblanc, Arsène Lupin, le gentleman cambriouler, tem aval de sobra para um lugar de honra na galeria dos livros policiais. Em 2005, chegou ao seu centenário com direito até mesmo a comemorações na França. Além do mais, ficção não tem a obrigação de ser tese de doutorado, manual de instruções ou apostila de física. A proposta era entreter; e isso Leblanc conseguia, transportando seus leitores, com muito charme, a uma França da virada do século XX.

Lupin nasceu a pedido da revista francesa Je sais tout, como uma resposta irreverente ao britânico sucesso de Sherlock Holmes. Leblanc chegou mesmo a satirizar a criação imortal de Conan Doyle, criando Herlock Sholmes, um detetive tolo que sempre saía perdendo nos confrontos com o ladrão de casaca. Nada que abalasse a popularidade de Holmes, um ícone da literatura mundial. Mas Leblanc deve ter se divertido um bocado escrevendo seus livros, assim como seus compatriotas, que passaram a acompanhar com avidez as aventuras criadas por ele.

O ladrão francês era anárquico, divertido, sedutor. E o fato de não estar do lado da lei só aumentava seu charme, fazendo dele um dos primeiros anti-heróis dos romances policiais. Lembro-me de que ao ler as aventuras de Arsène Lupin entre a infância e a adolescência, eu me perdia, de vez em quando, diante do disfarce adotado pelo gentleman cambriouler em determinada aventura. Como um camaleão, o personagem podia estar em qualquer lugar das páginas, assumindo uma identidade que fazia com que ele se confundisse com o ambiente do cenário de seu próximo roubo. Isso podia até embaralhar o leitor, mas era bastante divertido tentar adivinhar o personagem na pele de um conde ou de um milionário.

O coroamento definitivo de Lupin como o maior ladrão de todos os tempos se dá em A Agulha Oca. A trama se passa na Normandia, região onde nasceu o autor da série, e envolve um segredo transmitido, há vinte séculos, pelos governantes do que hoje é a França... epa, mais não posso dizer. Muito antes de Dan Brown, Leblanc já propunha enigmas criptográficos e caças ao tesouro. E não sou eu que vou estragar o prazer do leitor que ainda não foi apresentado a essa joia francesa. Também não desejo reavivar demais a memória de quem leu essa história há muito tempo. Procurem o livro, levem-no ao sol para tirar o mofo das páginas amareladas e mergulhem na leitura. Ela é meio folhetinesca e, às vezes, não flui como estamos acostumados. Mas, fazendo algumas concessões à linguagem e ao estilo do autor, o leitor pode se divertir um bocado diante de um dos grandes clássicos do gênero. O famoso ladrão de casaca passou dos cem anos com fôlego para ainda roubar, com muita classe, fãs de outros livros policiais.

Outros títulos da Coleção Arsène Lupin editados no Brasil pela Nova Fronteira:

813
Arsène Lupin, Ladrão de Casaca
O Paiol de Pólvora
A Rolha de Cristal
O Segredo de Eunerville
A Condessa de Cagliostro
A vingança da Cagliostro
Arsène Lupin contra Herlock Sholmes
As confidências de Arsène Lupin
As oito pancadas do relógio
O estilhaço de granada
Os dentes do tigre

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