domingo, 1 de fevereiro de 2009

Os deuses devem estar loucos

O Ladrão de Raios
(série Percy Jackson e os Olimpianos)
Editora Intrínseca (2008)
Rick Riordan


O sucesso estrondoso da série Harry Potter fez com que a o bruxinho de Hogwarts tivesse filhotes. A maioria fixou-se no conceito de que a magia ainda é capaz de encantar leitores do novo milênio. E bruxinhos e bruxinhas pulularam das páginas dos livros.

Rick Riordan, “pai” do personagem Percy Jackson, inspirou-se escancaradamente na estrutura potteriana, com direito a escola especial e até mesmo a companheiros de aventura correspondentes aos de Potter. Mas apostou em outro tipo de narrativa que encanta sucessivas gerações há algum tempo. Para falar a verdade, há tempos imemoriais: a mitologia grega.

Saem os bruxos e entram os deuses do Olimpo, entre outros fantásticos personagens e animais mitológicos que incendeiam a imaginação ocidental desde sempre. Para quem pensava que os deuses estariam atualmente confinados às teorias psicanalíticas, Riordan prova que é possível trazê-los para o século XXI sem perder sua essência; pelo contrário, é possível incorporar os maneirismos de nossa época ao comportamento habitual dos deuses, monstros e personagens periféricos da mitologia grega, traduzindo-os para o universo dos leitores que pretende atingir, por mais louco que isso possa parecer.

Seguindo esse raciocínio, Ares em sua forma humana é um motoqueiro arruaceiro e grosso, Poseidon segue a linha surfista das antigas e Zeus... bem, Zeus, em um terno de risca de giz, só pode estar incorporando o Poderoso Chefão. E continuam aprontando todas com os mortais. Sim, ainda hoje são os deuses que controlam as forças da natureza e, por que não? O destino dos mortais, com os quais se relacionam com bastante intimidade. E essa é a grande sacada do autor: os deuses ainda procriam, ou seja, ainda existem filhos deles por aí, dos quais uma parte tem como destino ser um herói.

Percy Jackson, o herói da série, é um garoto de 12 anos que conseguiu, nos últimos seis, ser expulso de seis colégios diferentes. Tem dislexia, síndrome do déficit de atenção e, desde que se entende por gente, de vez em quando vê o que ninguém mais vê.
Ao ser tirado de sua Nova York natal para um acampamento que revela ser um campo de treinamento muito especial, Percy ganha sua primeira missão, que cumprirá ao lado de um sátiro e da filha de uma deusa.

O livro possui ritmo de aventura e boas tiradas sobre os humanos e sua forma de se relacionar com o mundo atual, ao lado de uma ou duas soluções preguiçosas para contornar obstáculos que nem chegam a ser acrescentadas à conta. Quanto à aventura se desenrolar através dos Estados Unidos, e não na Hélade... bem, é explicado que os deuses costumam transferir seus domínios para onde está o poder dos homens. Nessa lógica, o Olimpo está espetado bem acima do Empire State Building.

E, para quem teme uma salada de referências, pode ficar tranqüilo. Riordan mescla, através da narrativa em primeira pessoa conduzida por Percy, referências pop e mitos na medida certa para divertir e informar, embora as referências pop estejam mais ao alcance dos adultos, como é de praxe em roteiros atuais no formato “diversão-para-toda-a-família”, presente em produções para o cinema como Os Incríveis. Afinal, algum garoto de seus onze, doze anos, conseguiria visualizar, melhor dizendo, “sonorizar” o barqueiro Caronte cantarolando uma melodia de Barry Manilow? Mas, tirando o ponto em que os deuses se encontram com o século XXI, suas histórias originais são preservadas em muito melhor estado do que, por exemplo, a animação Hércules dos Estúdios Disney.

Em suma, a série é divertida e desperta a curiosidade para a riqueza da mitologia grega, matéria-prima do imaginário ocidental. Ponto para Riordan e seu pequeno grande herói, que chega ao Brasil ostentando diversas premiações nos Estados Unidos, tais como Livro Notável de 2005 do The New York Times e best-seller juvenil da Publishers Weekly, entre outros.