domingo, 31 de agosto de 2008

À Sombra do Sucesso

A Sombra do Vento, do espanhol Carlos Ruiz Zafón, é uma dos livros espanhóis de maior êxito mundial. O livro não foi um estouro de vendas imediato no Brasil. Mas o boca a boca se encarregou de manter sua oferta constante nas livrarias, muitas vezes entrando na lista dos mais vendidos. Quem já o descobriu costuma recomendá-lo aos amigos com entusiasmo.
Enfim, de uma forma ou de outra, a história do jovem Daniel Sempere, guardião de um livro que desejam a, todo custo, destruir, segue encantando leitores do mundo todo. Tão bem sucedido foi o livro que, em abril de 2008, El Juego del Ángel (Planeta, 2008) trouxe de volta "o cemitério dos livros esquecidos", embora em uma aventura anterior à trama de A Sombra do Vento.

Barcelona, cenário do best-seller, vende A Sombra do Vento em todas as línguas, formatos e locais que se pode imaginar. O livro, afinal de contas, apesar de se passar na década de 40, no pós-guerra mundial, em plena ditadura franquista, traz à tona uma cidade labiríntica e brumosa, toda ela envolta em mistério e sombras, do distante Tibidabo, onde está o segundo parque de diversões mais antigo da Europa (1899) ao charmoso Bairro Gótico.

Por que uma cidade como Barcelona, a exemplo do Rio de Janeiro, mais famosa por seu clima ensolarado durante o dia e animada vida noturna, promoveria um livro que parece mostrar o contrário? Simplesmente, porque uma visita à capital da Catalunha nunca mais será a mesma depois da leitura de A Sombra do Vento. Em que pesem os alegres mosaicos de Gaudí na identidade da cidade, o Bairro Gótico ganha, após o livro de Zafón, outra dimensão. Os lampiões de ferro batido, as ruas de pedra, as antigas livrarias... Tudo isso faz com que uma nova/velha Barcelona vá se instalando, aos poucos, na memória afetiva do leitor.

Diante disso, é natural que os leitores brasileiros de Zafón sintam curiosidade a respeito da produção do autor catalão. Será lançado outro livro dele no Brasil? Zafón tem outros livros publicados na Espanha, sua terra natal?

A resposta para a primeira pergunta é, até onde se sabe, negativa. Mas, para a segunda, é possível apresentar algumas opções. Zafón possui, sim, alguns títulos publicados anteriormente e que, à sombra do sucesso de seu livro mais famoso, foram publicados de novo. E, surpresa, são todos dirigidos ao público juvenil! Bem, talvez a surpresa nem seja tão grande assim, uma vez que A Sombra do Vento é a história da iniciação de um jovem na vida adulta – conhecendo e, eventualmente, experimentando, a literatura, o sexo, a política, a violência e o amor.

A primeira novela de Carlos Ruiz Zafón, El Príncipe de la Niebla (Planeta, 2006 – 1ª edição 1993), teve mais de 300.000 cópias vendidas e foi traduzida para sete idiomas.
A história é simples: o Príncipe da Névoa do título é um diabólico personagem, capaz de conceder qualquer desejo a uma pessoa – a um alto preço, é importante dizer. Sua aparição ajuda a esclarecer as estranhas circunstâncias da morte por afogamento de Jacob, filho dos antigos proprietários da família Carver.

Em junho de 2006, treze anos depois de ter sido publicada pela primeira vez, o livro ganhou, pela primeira vez, uma edição que seu autor considerou digna. Nas palavras de Zafón, escritas em uma nota da nova reimpressão, “El Príncipe de la Niebla fue la primera novela que publiqué, y marcó el inicio de mi dedicación completa a este peculiar oficio que es el de escritor. En aquella época tenía veintiséis o veintisiete años, lo que por entonces me parecía un montón y, a falta de editor, se me ocurrió presentarla a un concurso de literatura juvenil (terreno que desconocía por completo), tuve la suerte de ganar”.

“A decir verdad, de chaval no acostumbraba a leer novelas etiquetadas como “juveniles”. Mi idea de una novela para jóvenes era la misma que mi idea de una novela para cualquier lector (…) En el caso de El Príncipe de la Niebla, a falta de otras referencias, decidí escribir la novela que mí me hubiese gustado mecer con trece o catorce años, pero también una que siguiera interesando con veintitrés, cuarenta y tres u ochenta y tres años”.

“Desde su publicación en 1993, El Príncipe de la Niebla ha tenido la suerte de ser muy bien recibido entre los jóvenes, y también entre los no tan jóvenes. Lo que nunca ha tenido, hasta el día de hoy, es una edición digna, que hiciese justicia a sus lectores y a la obra (…)”.

Ao El Príncipe de la Niebla, seguiu-se o igualmente soturno El Palacio de la Medianoche (Planeta, 2006 – 1ª edição 1994). Em 1932, em Calcutá, às vésperas de completar dezesseis anos, Ben, Sheere, e seus amigos, deverão enfrentar o mais terrível e mortífero enigma da história da cidade dos palácios.

Las Luces de Septiembre (Edebé, 1998), foi o próximo. Conta a história de Ismael e Irene, que se unirão para sempre durante um mágico verão na Baía Azul, onde certos elementos, tais como um fabricante de brinquedos que vive recluso em sua mansão povoada por seres mecânicos e sombras do passado e a insistente névoa (sempre ela) que insiste em rodear a ilha do farol tecem uma atmosfera de mistério.

E, por fim, há Marina (Edebé, 1999), que narra a volta de Oscar à Barcelona, para conjurar seus fantasmas e enfrentar sua memória. Aqui, a macabra aventura que o marcou em sua juventude, o terror e a loucura rondam, curiosamente, uma bela história de amor.

Segundo Záfon, em uma nota em El Palacio de la Medianoche, todas as suas histórias dirigidas ao público juvenil são de mistério e aventura, novelas que o enigmático Julián Carax, de A Sombra do Vento, poderia ter escrito em seu sótão parisiense, como bem o poderia pensar seu amigo Daniel Sempere. Faz sentido. Quem se presenteou com a leitura deste livro sabe do que ele está falando...

domingo, 3 de agosto de 2008

O Ciclo das Palavras

O menino que guardava as palavras na barriga
Girafinha (2006)
Juva Batella
Ilustrações de Fabiana Salomão


Um menino acredita que as palavras são guardadas na barriga – e sua quantidade estaria ligada à extensão da vida.

Onde você guarda suas palavras? Em alguma obscura região do cérebro cujo nome lhe escapa? Pois Joaquim, um esperto menino de sete anos, passa a acreditar, depois de uma visita a um hotel fazenda, que elas são guardadas na barriga.

Mesclando a sabedoria popular, representada na figura do jardineiro da fazenda, às crenças do povo Dogon, da África Ocidental, que liga as palavras à continuidade, Juva Batella cria um belo livro sobre as palavras e a importância que elas têm em nossa vida.
Tão essenciais como a nossa respiração, nosso fim estaria relacionado ao fim das palavras que estão dentro de nós – em nossa barriga.

Esta é a história que Joaquinzinho Quinzinhozinho, como o menino pomposamente gosta de ser chamado, ouve do jardineiro. Curioso e aberto a conhecer novidades como, na maior parte do tempo, apenas as crianças conseguem ser, o menino é apresentado, através das palavras do velho ao misterioso “homem do chapéu verde”, que pegaria nomes de crianças para aumentar o estoque de sua barriga e, em conseqüência, prolongar seu tempo.

Impressionado, o menino volta da fazenda calado, fazendo-se chamar apenas de Quim. Está disposto a economizar palavras e prolongar a sua ainda curta existência. No entanto, é trocando palavras com o pai que ele aprende que a vida possui um ciclo natural que independe das palavras, e que há uma forma muito mais simples de manter a barriga sempre cheia delas – e ele até já o aprendeu na escola.

As palavras oferecidas pelo autor enchem gostosamente a barriga. E terminamos a leitura-estocagem certos de que precisamos aprender a armazená-las, mas, também, a vencer nossa timidez, nossa hesitação em soltá-las no mundo. É preciso aprender a trocá-las com os outros e a libertá-las – através das nossas colocações em sociedade, das nossas manifestações de amor e afeto, da nossa escrita. Sobretudo, é aprendendo a viver e aceitar os ciclos da vida que fazemos, no fundo, com que todas as palavras que moram em nós não se esgotem, jamais.